Muitos leitores, assim
como Amanda, devem acreditar que sou contra a vaidade. Devem crer que eu
considere futilidade se arrumar, se maquiar, ir ao shopping, etc. Alguns devem
até deduzir que eu acredite que as mulheres devam ser feias para serem
revolucionárias. Essa interpretação equivocada de meu pensamento me preocupa
muito, pois passa longe da veracidade.
Eu não sou contra a
vaidade. Não a vaidade propriamente dita. Eu mesma sempre faço escova no cabelo,
por exemplo. Adoro cabelo ondulado e cacheado, mas o meu, naturalmente, é
daquele estilo ondulado indefinido, que parece descabelado não importa quantas
mil vezes penteei. Soma-se a isso o fato de que tenho 3 vezes a quantidade de
cabelo que uma pessoa normal tem (é sério).
Adoro comprar roupa nova
(mas confesso que ultimamente só compro em promoção) e já fiz várias sessões de
depilação a laser. Adoro pintar as unhas, principalmente de cores fortes como
vermelho, vinho e marrom. Amo brincos, principalmente os enormes, e não cogito
ficar sem eles.
Maquiagem admito que não
uso no dia-a-dia pelo simples fato de não achar necessário. Uso apenas em
ocasiões especiais, mas mesmo assim de um modo muito leve. Digamos que batom
não combina muito comigo, eu simplesmente fico parecendo um periquito comendo
uma cereja. Bizarro mesmo.
Mas não acho que quem se
maquia é fútil. Um delineador de olhos e um brilho labial não fazem mal à
ninguém; pelo contrário. O que eu acho fútil é aquela necessidade de estar
sempre com aquela maquiagem extremamente carregada, estilo Emília do Sítio do
Pica-Pau Amarelo, para todas as situações, inclusive as mais insignificantes. O
que eu acho fútil é aquela obsessão por estar sempre impecavelmente arrumada 24
horas por dia. Além de futilidade, isto denuncia um problema maior: o machismo
invisível, segundo o qual as mulheres devem sempre ser julgadas por suas
características físicas.
A
vaidade não é um problema...até que se torne uma questão de gênero.
Isso não tem a mínima graça. |
Não é novidade para
ninguém que, enquanto as mulheres estão neuroticamente preocupadas com sua
aparência, os homens só tomam banho, passam desodorante e vestem aquela
camisetinha branca básica. Isso pouco importa para a vida social ou
profissional deles. Eles simplesmente não precisam ser aprovados pela aparência
para conquistarem respeito ou o que quer que seja. Tem algo injusto aí, não?
Outra questão relevante
é que a esmagadora maioria da população mundial não esbanja quantias
inesgotáveis de dinheiro. Muito menos as mulheres, que ainda ganham menos que
os homens. Sendo assim, você não consegue comprar tudo o que deseja e ainda pagar
todas as contas do mês; é preciso estabelecer prioridades.
E o que isso significa?
Bem, é fácil: se a prioridade de muitas mulheres é freqüentar o salão de beleza
todo mês, fazer drenagem linfática habitualmente, pagar a “lipinho básica” no
fim do ano e comprar bolsas que custam mais que um salário mínimo, quem acaba
pagando a escola das crianças, a conta de luz, o IPVA, a comida para pôr na
mesa? Exatamente, o homem. E, se desejamos igualdade, ela começa pelos deveres iguais, inclusive os financeiros.
Acho que sei pra quem vão sobrar essas contas... |
Quando
a vaidade deixa de ser saudável.
Cansei de ver meninas e
mulheres chegando à faculdade à noite, após um longo dia de trabalho e minutos
antes de começar a aula, obstinadas a retocar a maquiagem (com instrumentos tão
diversos que alguns deles sequer sei o nome). Ora, pra quê? É só uma aula, você
está aqui para estudar! Algumas estão tão maquiadas logo cedo (e para os
compromissos mais desnecessários) que só podem ter acordado 5 horas da manhã
para isso. Algumas são tão neuroticamente retocadas com pó que dão até vontade
de espirrar.
Sempre vejo mulheres que
mal conseguem andar devido ao salto altíssimo. No fim do dia, estão fisicamente
esgotadas e seus pés moídos não lhes permitem fazer mais nada. Não é à toa que
são presa fácil de assaltantes: elas não vão conseguir fugir!
Sapato com salto é mais
bonito? Pode até ser, mas o primordial não deveria ser o conforto? Vejam, não
precisamos viver de “rasteirinha” para estarmos confortáveis. É possível sim
usar sapatos com saltos, mas daquele tipo que ainda te permite realizar funções
básicas como andar e sair para almoçar.
Todo dia vejo mulheres se
privando de certos alimentos, reclamando que “esse engorda”, “isso dá barriga”.
Não se entregam a uma pizza deliciosa ou a um cachorro-quente suculento. Se o
fazem, é com culpa. Elas contam calorias até de um copo de suco.
Ora, isso não é vaidade.
Isso é escravidão à estética; é incorporar o conceito de que mulher só tem
valor se for para enfeitar o ambiente sexualmente; é reforçar o conceito de que
nosso único poder é pela beleza; é fortalecer o valor de que precisamos ser
julgadas pela aparência, antes de tudo.
Beleza
e revolucionarismo não são antônimos.
Isso não significa que
devemos ser feias para sermos revolucionárias. O que tento mudar é justamente o
conceito de mulher feia: arrumo meu cabelo, uso roupas novas, pinto as unhas,
combino as cores do sapato, mas não preciso passar batom, pó, delineador,
blush, pôr cílios postiços, gastar minhas economias em cirurgias plásticas e usar
diariamente salto de 10 cm
para poder ir até a esquina.
Hoje em dia, muitas
mulheres não sabem a diferença entre ser vaidosa e ser fútil. Creem que só
existem dois extremos: ser vaidosa e fútil ou não-vaidosa e “baranga”. O que se
tem em mente é que, para ser bonita, é necessário cair na futilidade, o que é
um grande equívoco. É muito possível que os dois conceitos não caminhem juntos,
o que significa que podemos ser vaidosas sem sermos fúteis e, melhor ainda,
podermos ser bonitas e ainda sermos revolucionárias.
Se arrumar e se maquiar
é legal? É. O que não é legal é tratar isso como se fosse o maior valor de uma
mulher, o primordial em nossa existência, um passaporte necessário para ser
respeitada, um pré-requisito para poder aceitar a si mesma. O espelho não pode
se tornar a nova submissão da mulher.