quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Abaixo aos cabelos de lego






“Cabelo de lego” é como chamo aquele cabelo curto normalzão que 98% dos homens usam. O nome é devido à semelhança inegável com o cabelo dos bonecos do brinquedo Lego. Os contornos das orelhas e nuca ficam tão delimitados que realmente dá a impressão que basta desafrouxar o pino que prende o cabelo na cabeça para soltá-lo, assim como nos bonequinhos.

Basta desencaixar.

Esse corte é tão palha que simplesmente não existe a menor possibilidade de eu me sentir atraída por um homem com cabelo de lego. Isso vale até para o Carlos Casagrande.
Gatão, não? Não.
Cabelo de lego é uma questão de gênero.
Dizem que homem fica melhor com cabelo de lego porque é mais “masculino”. Masculino segundo quem? Segundo o quê? Ora, segundo o mesmo padrão que dicotomiza os gêneros e faz homens e mulheres reproduzirem valores e comportamentos sobre os quais sequer refletem. Segundo o mesmo padrão que estipula que mulher deve usar rosa e homem azul; que meninas devem brincar de boneca e meninos de carrinho; que mulheres devem exercer profissões de afago e homens devem seguir profissões “que dão dinheiro”; que meninas devem aprender desde cedo a fazer comidinha e trocar papel de carta, enquanto os meninos desenvolvem seus intelectos com os brinquedos mais tecnológicos e estimulantes. “Mulher deve ter cabelo comprido. Homem deve ter cabelo curto”. E assim a sociedade não evolui.
Para se adequarem ao padrão de normalidade, as mulheres vivem de regime; os homens mantêm o cabelo curto.
Da mesma forma que as mulheres são impelidas a seguir um determinado padrão de comportamento e estética para serem aceitas socialmente, os homens também o são. As mulheres devem usar roupas justas, precisam ser magras, bonitas, etc. Em contrapartida, os homens, dentre outras coisas, devem ter cabelo de lego. 
Quem nunca soube de um cabeludo que teve que cortar o cabelo para arranjar emprego? E quantos empresários já não usaram a desculpa de que não contratariam um cabeludo “porque os clientes podem não gostar”? E mesmo os que “podem” continuar sendo cabeludos (geralmente os profissionais autônomos ou os que, por algum motivo, ocupam postos de trabalho em que lhes é “permitido” ter cabelo comprido) freqüentemente são alvo da seguinte pergunta: “quando você vai cortar o cabelo”? Isto é, o cabelo comprido, mesmo quando aceito, é visto como um estágio, um momento na vida de um homem, e não um fim em si.
Não é uma mera questão de estética. É a simbologia.
Meu desprezo pelo cabelo de lego não é apenas pela estética. É, principalmente, pelo que ele significa. O cabelo de lego não é um corte de cabelo; é a ausência de um corte. É o mesmo (não) corte que eles mantêm desde os 6 meses de idade porque não dão importância. Ele é o padrão, é o que os homens mantêm só porque é isso que dizem que é o certo. É um cabelo comportado, inofensivo, que não revoluciona, só mantém o status quo.
Já o cabelo comprido, para um homem, é um símbolo de transgressão. É a ruptura de um padrão. É uma ousadia político-social. Aí reside sua beleza.




Há muitas opções não-lego.
Não estou defendendo que todos os homens tenham cabelo até o meio das costas. Há várias opções de cortes que, mesmo não sendo compridos, fogem da mesmice do cabelo de lego.

Exemplos de cabelos que esbanjam personalidade, mesmo não muito compridos.



“Até queria deixar crescer, mas meu cabelo não é bom”.
Muitos homens até têm vontade de deixar seus cabelos crescerem, mas não o fazem porque “o cabelo não é bom”, defendem. Em primeiro lugar, esse conceito de “cabelo bom” vem de nossa educação racista. Só o cabelo liso é bonito e “bom”?

 Em segundo lugar, mostra como os homens pouco se importam em agradar as mulheres pela aparência. Eles querem o que é mais prático, e não o que deixa mais bonito. As mulheres que fiquem com as migalhas, não é mesmo?

Quem deve sofrer pra ficar bonita só devem ser as mulheres, né?! Eles acham legal que suas namoradas arranquem os pêlos pela raiz, almocem alface e andem o dia todo de salto alto, mas eles mesmos só tomam banho e passam desodorante.  Eles querem não ter compromisso algum com a vaidade, querem poder lavar o cabelo com sabonete. Novamente, voltamos à questão de gênero.
Imagine todas as mulheres com cabelo de lego. Quantas deixariam de ser bonitas? Pois é.
Abaixo seguem exemplos de mulheres com cabelo curto e comprido. Notem como algumas ficaram muito mais bonitas com outros cortes além do curto. Algumas são belíssimas e continuam bonitas com qualquer corte. Outras, nem tanto.


De cabelo comprido fica melhor. Minha modesta opinião.

Ana Paula Arósio é uma mulher diferente a cada corte de cabelo.

Qualquer coisa cai bem com esse rosto.


O poder de um cabelo.

Notem como a Britney Spears perde todo seu charme e harmonia sem o cabelo. A questão é: com quantos homens isso também não acontece? Quantos homens são feios apenas pelo (não) corte de cabelo? Quantos homens não poderiam ser atraentes apenas se abandonassem o cabelo de lego? Quantos homens, além disso, não poderiam estar desconstruindo dicotomias de gênero desnecessárias e padrões de comportamento e de normalidade que nada fazem além de manter a sociedade na estagnação?
Homens, pensem nisso. Saiam da zona de conforto. Porque até isso...

                é mais digno do que isso. Sério.




sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Inveja da minha branquelice

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Já comentei aqui sobre as tirações de sarro que sempre sofri por ser branquela. É raro, para não dizer impossível mesmo, sair de saia ou vestido e não ouvir algum comentário, baixinho, de alguém intrigado com minha branquelice. Muitos não são nada tímidos: falam alto, intencionalmente para eu ouvir, como minha perna é branca. Vale lembrar que a intenção não é exatamente elogiar; pelo contrário. “Que perna ridícula!”, “nossa, o que é isso?!”, “tá precisando ir pra praia, hein?!”, são os mais comuns.
                São comentários tão absurdamente depreciativos, insultos esses recebidos gratuitamente de pessoas que nem conheço, que poucos acreditavam quando eu contava. Até questionavam minha própria sanidade mental algumas vezes, pois muitos duvidavam que aquelas pessoas e comentários realmente existiram. Felizmente, em algumas situações eu estava acompanhada, o que possibilitou que a pessoa que estava comigo em dada situação pudesse ter certeza que essas coisas realmente aconteciam, que eu não estava mentindo e tampouco caminhando para a esquizofrenia.
                Não basta te acharem feio. As pessoas têm que esfregar isso na sua cara.
Se você acha algo feio em mim, tudo bem. Não sou uma mulher vaidosa e não acho que meu mundo acabou porque alguém me acha feia (sei de uma guria, inclusive, que chorou o dia inteiro porque, caminhando pelas ruas com uma amiga, um caça-modelo as parou. Ele abordou apenas sua amiga para fazer alguns trabalhos fotográficos, e não ela). Mas por que essa necessidade de esfregar isso na minha cara? Por que a necessidade de me fazer sentir ridícula e inadequada? Por que a vontade tão feroz de me humilhar publicamente? Por que minha branquelice incomoda tanto? Por que se sentir no direito de dizer – a um estranho, repito – como uma pessoa deve ser ou não porque é isso que você acha que é o certo?
Eu também acho muitas coisas horríveis nas pessoas, mas não saio por aí falando isso para elas, muito menos aquelas com as quais não tenho vínculo algum. Acho pavorosas aquelas mulheres que pintam o cabelo de loiro e que ficam super artificiais, mas não saio por aí perguntando se elas pintaram o cabelo com Suvinil (tinta de parede). 
A tal loira Suvinil.
Abomino homem com "cabelo de lego" (aquele corte normalzão que é simplesmente uma penugem capilar na cabeça), mas não saio por aí gritando nas ruas, perguntando se eles não tem vergonha de usarem o mesmo corte de cabelo desde os 6 meses de idade. 
O corte de cabelo “lego”adotado por 98% dos homens: palha pra cacete.

Acho medonhos aqueles cabelos cheios de luzes que chegam a ficar cinza. De costas, essas mulheres mais parecem bisavós com corpos de 25 anos. Mas não saio questionando essas mulheres se a intenção delas era ficar com o cabelo loiro ou grisalho mesmo.
A intenção era ficar loiro ou grisalho?

Argumento da inveja: o mecanismo de defesa dos narcisistas.
Tentando me consolar, as pessoas sempre me diziam: “não ligue, é inveja”. “Bobagem”, sempre pensei. Nunca acreditei que fosse inveja, e por 2 motivos: 
1)      As pessoas, especialmente as mulheres, realmente acham feio ser branca demais. Logo, não faz sentido elas terem inveja. Elas não invejam algo que acham feio.
2)      Nunca fui fã do argumento da inveja. Acho muito narcisismo achar que, se não gostam da gente, é porque nos invejam. É uma forma de sempre se colocar por cima: nosso defeito, se existir, é ser bom demais. Tão bom que até traz desavenças. Sei de pessoas que sequer conseguem cogitar outro motivo fora a inveja para alguém não gostar delas. Ora, nós podemos ter tantos defeitos, as pessoas podem desgostar de nós por tantos motivos! Deduzir precocemente que não gostam de nós por inveja é mesquinho demais. É narcisismo demais.

Ser diferente incomoda. Ser diferente e feliz incomoda mais ainda.
Em um dado momento, me atentei ao fato de que a esmagadora maioria das pessoas que faz esses comentários é mulher. Esse detalhe me leva a crer que sim, talvez possa ser inveja mesmo. Mas não inveja por achar bonito, pelo contrário. Inveja justamente por acharem feio, mas me verem auto-confiante sendo eu mesma. Inveja porque não conseguem conceber a idéia de uma mulher não corresponder ao padrão de beleza imposto (e que elas seguem neuroticamente) e ainda assim ser feliz. Inveja porque não conseguem aceitar que muitos homens acham bonito justamente aquilo que elas tentam ser ao contrário. Inveja porque alguém tem coragem de desafiar o senso comum e ser feliz assim. Como eu ouso estar feliz e satisfeita quando todos os signos sociais e midiáticos me dizem para eu me sentir um lixo, não é mesmo? Que audácia perante o padrão de comportamentos previsíveis!
Não, elas não têm inveja de mim porque acham minha cor bonita. Elas realmente me acham feia. E é justamente isso que incomoda e causa inveja: ser considerada feia e mesmo assim se sentir bonita. Isso vale para as negras, gordas, baixinhas, altas demais, magricelas, sardentas, ou qualquer mulher com uma característica fora do padrão, por causa da qual tentam nos fazer sentir como lixo. Mas não somos lixo. Somos livres. E como isso incomoda!