segunda-feira, 25 de maio de 2009

Você assiste novela?

As novelas são mais uma forma de manipular valores, comportamentos e idéias. Todas as novelas brasileiras apresentam estruturas familiares marcantemente patriarcais; os homens são bem sucedidos e as mulheres não passam de "dondocas" que passam o dia no shopping, totalmente à margem das relações de trabalho e poder. É geralmente apenas nas famílias pobres em que elas trabalham e, ainda assim, só exercem profissões estigmatizadas como "femininas", sendo, conseqüentemente, desvalorizadas e de baixo prestígio social. Transmite-se, assim, valores machistas de acordo com os quais se estabelece claramente uma relação hierárquica entre os sexos, em que "é aceitável" uma mulher não ter sua independência (o que legitima sua subordinação) e reproduz-se a idéia de que "mulher só trabalha se precisa".

A partir da disseminação desses valores torna-se incoerente reivindicar por melhores oportunidades de trabalho e por salários iguais entre homens e mulheres, uma vez que a mídia promove a todo momento, principalmente pelas novelas, que é aceitável uma mulher não trabalhar (e assim ser dependente de um homem) ou trabalhar e ganhar pouco, uma vez que transmite que o homem deve ser o principal provedor de uma família.

Além disso, as novelas sempre apresentam casos em que os homens traem as namoradas ou esposas e nem por isso viram vilões, o que contribui para o pensamento de que é natural um homem trair. Frequentemente são mostradas histórias em que os homens têm segundas esposas, amantes, casos paralelos etc, e suas respectivas companheiras "oficiais" ainda os aceitam de volta.

A atitude de aceitar passivamente o companheiro infiel (mesmo que com alguma resistência) é justificada pela concepção (absurda, mas que ainda é fortemente defendida) de que os homens têm suas “necessidades sexuais” mais afloradas do que as mulheres, o que supostamente justificaria sua inclinação para a infidelidade. Isso destitui a organização civilizatória de toda a sua força, fazendo com que caiamos num perigosíssimo determinismo biológico. Este determinismo biológico, por sua vez, encurrala as mulheres diante da única opção que a natureza lhes oferece: aceitar, “pois é natural”. E, lógico, não é nem necessário lembrar que a sociedade (machista) é demasiadamente intransigente com a traição feminina.

A terceira atitude machista das novelas é promover mulheres-objeto que pelo corpo se lançam ao sucesso, rejeitando tantos verdadeiros atores e atrizes que tanto estudaram mas que não conseguem espaço na televisão por não corresponderem ao (alienado) padrão de beleza que a mídia promove. Aliás, a alienação pela mídia é tanta que as mulheres, hoje, após a árdua luta pela emancipação, entram para o mercado de trabalho com o ideal de juntar seus primeiros milhares de reais para realizar uma cirurgia estética totalmente desnecessária (que a induziram a pensar que era essencial) ao invés de aplicá-lo em algo realmente necessário (como dar entrada em um carro ou em um terreno, por exemplo). Como, além disso, uma mulher pode ter credibilidade na busca pelo reconhecimento profissional se o que mais a preocupa é o tamanho de seus atributos físicos em comparação ao das outras? Essa “imbecilização” das mulheres é propiciada justamente pela mídia, que as induzem a pensar que a felicidade e a realização pessoal dependem do quão alinhadas ao padrão de beleza (imposto e inquestionado) elas estão e, se não estão, devem a todo custo alcançá-lo.

Aos homens, em contrapartida, pouquíssimo é exigido em relação à aparência. Muitos ainda pensam que, para um homem, cuidar da aparência limita-se a fazer a barba e tomar banho, ou seja, restringe-se às medidas de higiene pessoal. Uma barriga saliente é motivo de risadas jocosas e até mesmo de orgulho. As mulheres, ao contrário, são induzidas a pensar que seu corpo nunca está bom o suficiente, fazendo com que muitas delas deitem em mesas de cirurgia para “arrumar” detalhes de seu corpo que fogem ao padrão imposto e que, por isso, são vistos como “defeitos”.

Mais um fato recorrente nas novelas é marcante: muito frequentemente existem personagens de mulheres cuja prioridade indiscutível é ter um homem ao seu lado. São as mulheres que fazem de tudo pelos homens amados, vivem em função da busca da reciprocidade do amor que sentem, fazendo loucuras para consegui-lo e, até mesmo, para isso, negando sua própria individualidade. São aquelas personagens que, quando o relacionamento acaba, suas vidas também acabam. São as mulheres emocionalmente dependentes de um homem, que acreditam que nada são se estiverem sozinhas. Ser sozinha e feliz, é, nesses enredos, uma antonímia incontestável.


É verdade, no entanto, que todos esses elementos citados acima são realmente característicos de nossa cultura. Mas a televisão, inserindo tais valores em nosso cotidiano por meio das novelas ou programas afins, não está apenas os representando, mas os reforçando. E como a televisão tem o poder de formar opiniões e massificar as representações sociais, a maioria das pessoas assimila esses valores sem ao menos refletir sobre eles, tornando-se, elas mesmas, perpetuadores de tais conceitos.